domingo, 13 de dezembro de 2009

Carta escrita em 2070

Ano 2070.


Acabo de completar 50 anos, mas a minha aparência é de alguém de 85.

Tenho sérios problemas renais porque bebo pouca água.

Creio que me resta pouco tempo.

Hoje sou uma das pessoas mais idosas nesta sociedade.

Recordo quando tinha 5 anos. Tudo era muito diferente.

Havia muitas árvores nos parques. As casas tinham bonitos jardins e eu podia desfrutar de um banho de chuveiro por aproximadamente uma hora. Agora usamos toalhas em azeite mineral para limpar a pele.


Antes, todas as mulheres mostravam as suas formosas cabeleiras.

Agora, raspamos a cabeça para mantê-la limpa sem água.


Antes, meu pai lavava o carro com a água que saía de uma mangueira.

Hoje os meninos não acreditam que utilizávamos a água dessa forma.


Recordo que havia muitos anúncios que diziam para CUIDAR DA ÁGUA, só que ninguém lhes dava atenção.

Pensávamos que a água jamais poderia terminar.

Agora, todos os rios, barragens, lagoas e mantos aquíferos estão irreversivelmente contaminados ou esgotados.

Imensos desertos constituem a paisagem que nos rodeia por todos os lados.


As infecções gastrointestinais, enfermidades da pele e das vias urinárias são as principais causas de morte.

A indústria está paralisada e o desemprego é dramático.

As fábricas dessalinizadoras são a principal fonte de emprego e pagam os empregados com água potável em vez de salário.


Os assaltos por um litro de água são comuns nas ruas desertas.

A comida é 80% sintética.


Antes, a quantidade de água indicada como ideal para se beber era oito copos por dia, por pessoa adulta.

Hoje só posso beber meio copo.

A roupa é descartável, o que aumenta grandemente a quantidade de lixo.

Tivemos que voltar a usar as fossas sépticas como no século passado porque a rede de esgoto não funciona mais por falta de água.


A aparência da população é horrorosa: corpos desfalecidos, enrugados pela desidratação, cheios de chagas na pele pelos raios ultravioletas que já não têm a capa de ozônio que os filtrava na atmosfera.

Com o ressecamento da pele, uma jovem de 20 anos parece ter 40.

Os cientistas investigam, mas não há solução possível.


Não se pode fabricar água, o oxigênio também está degradado por falta de árvores, o que diminuiu o coeficiente intelectual das novas gerações.

Alterou-se a morfologia dos gametas de muitos indivíduos.

Como consequência, há muitas crianças com insuficiências, mutações e deformações.


O governo até nos cobra pelo ar que respiramos: 137 m3 por dia por habitante adulto.

Quem não pode pagar é retirado das "zonas ventiladas", que estão dotadas de gigantescos pulmões mecânicos que funcionam com energia solar.

Não são de boa qualidade, mas se pode respirar.


A idade média é de 35 anos.


Em alguns países restam manchas de vegetação com o seu respectivo rio que é fortemente vigiado pelo exército.

A água tornou-se um tesouro muito cobiçado, mais do que o ouro ou os diamantes.

Aqui não há árvores porque quase nunca chove. E quando chega a ocorrer uma precipitação, é de chuva ácida.


As estações do ano foram severamente transformadas pelas provas atômicas e pela poluição das indústria do século XX.

Advertiam que era preciso cuidar do meio ambiente, mas ninguém fez caso.


Quando a minha filha me pede que lhe fale de quando era jovem, descrevo o quão bonito eram os bosques.

Falo da chuva e das flores, do agradável que era tomar banho e poder pescar nos rios e barragens, beber toda a água que quisesse.


O quanto nós éramos saudáveis!

Ela pergunta-me:

- Papai! Por que a água acabou?

Então, sinto um nó na garganta!

Não posso deixar de me sentir culpado porque pertenço à geração que acabou de destruir o meio ambiente, sem prestar atenção a tantos avisos.


Agora, nossos filhos pagam um alto preço...

Sinceramente, creio que a vida na Terra já não será possível dentro de muito pouco tempo porque a destruição do meio ambiente chegou a um ponto irreversível.


Como gostaria de voltar atrás e fazer com que toda a humanidade compreendesse isto...

...enquanto ainda era possível fazer algo para salvar o nosso planeta Terra!


Texto publicado na revista "Crónicas de los Tiempos“, de Abril de 2002.

Enviado pelo Dr. Luiz Antonio Catay em 11/12/2009.

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