Por Walcyr Carrasco
As pessoas gostam de exibir a felicidade como um troféu. Demonstrar tristeza tornou-se uma espécie de derrota. O melhor exemplo é o comportamento diante de quem sofreu uma perda. Se está em lágrimas, costuma-se dizer:
– Não chore, vai passar...
A outra pessoa fica constrangida, como se viver a dor fosse defeito.
Minha atitude é oposta. Aconselho:
– Chore, descabele-se, solte os bichos!
Entre as festas de final de ano e o Carnaval, então, deixar de ser feliz é uma espécie de derrota. Até passar o Carnaval há que demonstrar uma alegria exuberante. Uma conhecida distanciou-se de uma velha amiga. Comentou:
– Ela brigou com o namorado, andava sem grana. Era muito baixo-astral.
Era proibido para a outra falar dos problemas? No comentário, um sintoma preocupante. O “baixo-astral” parece uma doença contagiosa.
Não nego. Compartilhar os problemas alheios às vezes não é fácil. Mas isso não faz parte da amizade? Não dá uma dimensão mais profunda ao relacionamento humano?
Ser feliz é cada vez mais uma imposição. Só falta alguém botar um letreiro dizendo:
“Estou muito bem!”. Com ponto de exclamação, para simular entusiasmo.
Tenho um amigo de infância, Antônio Carlos, que ainda vive em Marília, no interior de São Paulo. Nos conhecemos desde os 5 anos de idade, mas ficamos afastados uma boa parte da vida adulta. Quando o reencontrei, há alguns anos, estava para se aposentar como professor de história de um colégio público.
Na ocasião, me contou que, ao terminar a faculdade, muito jovem, ganhou uma bolsa para pós-graduação na Inglaterra. Mas não foi. Reagi escandalizado:
– Imagine, você teria tido tantas oportunidades!
Ele me respondeu calmamente que ficou para ajudar os pais a cuidar do irmão, Joel, com lesão cerebral. Hoje, mora com a mulher e os filhos numa casa vizinha à deles. Joel, quase cego, tem dificuldades até para as atividades cotidianas, como tomar banho sozinho.
– Se eu fosse para o exterior, talvez nem voltasse. E minha família?
No início levei um choque. Como alguém recusa um futuro brilhante para cuidar de um irmão com problemas? Depois, meditei sobre o tema. Sempre pensei a felicidade como resultado de uma bela carreira. Batalhei para ser escritor e estar na televisão. Boa parte das pessoas também associa felicidade a uma vida amorosa invejável.
“Mas e se não for nada disso?”, me perguntei.
O modelo de felicidade que está aí não me atrai. Prefiro viver os sentimentos mais profundos
Meu amigo Antônio Carlos não se preocupou com a felicidade em função dos parâmetros sociais. Mas em ser solidário com o irmão e a família.
Há alguns meses estive num churrasco em sua casa. Era emocionante ver como se preocupava com o irmão. Tentava alegrá-lo e fazer com que participasse da festa.
Olhei para eles e concluí: “Não é a felicidade com que as pessoas sonham. Mas, apesar dos problemas, dores e preocupações, viver assim tem um significado real”.
Quantas pessoas são capazes de escolher o afeto em vez de uma carreira brilhante?
Justamente por ter se tornado obrigatória, a felicidade ficou tão efêmera quanto os últimos lançamentos da moda. É traduzida em símbolos: a roupa de grife, o carro novo, o vinho caro, o restaurante elegante. Quanto mais sucesso, mais difícil a tal da felicidade. Já se iniciou uma batalha acirrada entre chiques e famosos para os convites dos camarotes VIPs do Carnaval do Rio de Janeiro. Quem não consegue sempre cai em crise de depressão.
Um amigo já idoso que no passado brilhou na sociedade paulistana confessou que não é mais convidado para os eventos, jantares e festas.
Sua angústia lembrou-me o personagem Elliot, de O fio da navalha, de Somerseth Maugham. No fim da vida, de cama, Elliot ainda se preocupa em saber se foi convidado para uma determinada festa. Não foi. Mas lhe mentem que sim, para que morra em paz. Em relação a meu amigo, comentei, para apaziguá-lo:
– Sorte sua, essas festas são chatas.
A verdade é que deixou de ser convidado porque perdeu todo o dinheiro.
As pessoas o evitam. Não que vá pedir emprestado – a situação não é tão grave, pelo menos ainda. Mas porque tem o “cheiro do fracasso”. No mundo da felicidade obrigatória, só há lugar para quem não tem problemas.
É uma felicidade cínica.
Durante muito tempo, também corri atrás de alegrias momentâneas, que se esvairam como fumaça. O modelo de felicidade que está por aí não me atrai. Pode ser difícil, doloroso ou me provocar contentamento. Minha opção é viver os sentimentos mais profundos.
WALCYR CARRASCO
é jornalista, autor de livros, peças teatrais e novelas de televisão
Recebido de Flávio Peres em 14/03/2013.
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